8.6.04

Enlatado

Lmebrei-me deste enlatado por não poder ler o Bosque da Robina (tinha lá aranhas...) ---- A noite dos carrapatos Sem saber porquê, José Morais acorda de repente. O pânico roubou-lhe a voz e ofereceu-lhe pijama e lençóis encharcados, que se colam ao corpo. Não lembra do que sonhou e pensa, foi um pesadelo, não é nada, já me passa. Acende a luz e vê a cama desfeita, enquanto distraidamente, coça uma perna. Depois um braço. A barriga. Mas que comichões são estas, pensa Morais, estou com alguma alergia? Levanta a camisa do pijama e horrorizado olha para a pele coberta de...de...de...mas o que é isto? Ai meu Deus, estou doente, gravemente doente! Os furúnculos olham para ele, silenciosamente, com olhos de pus amarelo. E o Morais salta da cama, coça-se cada vez mais, rebenta borbulhas, e sente tudo a escorrer, suor, pus, bocados de pele arrancada com raiva, e enquanto agarra no telemóvel poisado na mesa de cabeceira, o número de emergência, chamar uma ambulância, nunca vi isto, estou a morrer com um ataque alérgico, sente qualquer coisa a picar um pé descalço...olha para o chão e não vê nada. Olha melhor e vê um minúsculo ponto preto a esconder-se debaixo da cama. Espreita para debaixo da cama e não vê nada. E fica muito quieto com o telemóvel numa mão enquanto se coça com a outra...e no silêncio que se segue, começa a ver a trepar pelo lençol branco o ponto preto, que se vai aproximando, aproximando...ah cabrão, que já te mato, berra Morais! Agarra no chinelo, e atira-se ao bicho com fúria, esquece-se das comichões enquanto o desfaz numa mancha de sangue e patinhas e mandíbulas, meu filho da mãe, que esse sangue é meu, andaste-me a morder todo quando me apanhaste a dormir mas agora estás desfeito, mas pensas que alguém pica assim o Morais e se fica a rir? Será que esta mancha sairá na máquina ou terei de enfiar o lençol na lixívia? Mas que bicho mais nojento, o que será isto? Agora não interessa está morto...e outro pontinho preto aparece na beira do lençol. Mais um? Vais levar também! Toma! Estás a brincar comigo? Toma! Estava a ver que só um para tanta mordidela era pouco, toma mais! Comigo ninguém goza, ouviste? Era só o que me faltava! Toma! E mais dois pontinhos pretos aparecem na orla do lençol...Morais começa uma dança a matar os horríveis bichos que o atacam de todos os lados, coça-se e bate neles com o chinelo, com o telemóvel, com o pijama, com as mãos, esmurra, aperta, esmaga bichos com uma fúria incontida, cego de raiva e de comichões e de nojo. Finalmente deixam de aparecer mais bichos. E Morais sorri, uma máscara de lágrimas, feridas e pus, encosta-se na cama e pensa, sou mais que os bichos, eu sou gente que se sente. E para confirmar o seu triunfo espreita novamente para debaixo da cama. Não vê nada. Mas só para ter a certeza deita-se de costas no chão e inspecciona a parte de baixo da cama....e antes de se dar conta deste seu último e fatal erro, pensa, tinha ideia que era branca...
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